Para cima
“Vivemos correndo
Sem tempo para olhar para trás
E porque teríamos a necessidade de viver de passado
se temos todo um futuro”
O dia era iluminado de luzes
artificiais com pessoas andando de branco e preto, em um quarto pequeno sem janelas,
só com uma porta pequena, cinzenta, quase sempre esquecida pelos moradores.
Assim era a vida de Clarice, que vivia brincando com seu vestido preto com
borboletas bordadas de branco com seus cabelos loiros, que a cor poderia ser
definida como fosca e morta, seus olhos quase em um verde apagado em um corpo
pequeno e frágil, na frente dos olhos uma venda estava fixada na frente, era
uma venda fina que qualquer pessoa que pudesse olhar diretamente para menina
poderia enxergar os olhos dela através do pedaço de pano.
Olhos fechados, sempre fechados, tanto que por vezes não faria diferencia estar
acordada ou dormindo.
Vendada para o mundo ia Clarice e a sua família, que não admitiam viver na
mesma escuridão da filha, só que estavam todos lá. Enquanto a menina ia, seus
dias iam passando sempre iguais, balançando a cabeça quando requisitada
respondendo sim ou não as perguntas tão marcadas com respostas sopradas ao pé
do ouvido, escrito nas mãos, paredes e até no chão.
Clarice não cobiçava o sol, tão pouco a lua ou as estrelas, duvido até que ela
as conhecia e se conhecia não prestava atenção, passando assim reta e absorvida
pela a sua escuridão, de olhos fechados, em sua cega obediência de apenas ver o
que os outros desejam.
Um dia andando em sua vida desprovida de cor, um chamado de uma voz que jamais
ouvira chamou a sua atenção.
Malta estava andando, olhando o céu, a grama e as flores, quando viu uma menina
andando, logo de cara percebeu algo diferente e o menino sorrindo já foi perguntar:
- O que pensa menina?
A voz que rompeu o silêncio e
instigava uma resposta que não poderia ser feita pelo o sim ou não, fez gelar a
pobre menina, o menino se aproximou ainda mais, andando de forma leve para a
grama tão verde e tocou levemente a barriga dela, com um dos dedos.
- O que sente menina?
Silêncio.
Malta respirou fundo, não entendia
porque ela não o respondia.
Olhou para o céu procurando
inspiração.
- Diga-me o que sente, o que pensa, fale,
por favor.
Clarice respondeu como quem não diz:
- Eu nada penso, nada sinto, pensam e
sentem por mim, apenas isso.
Abriu um sorriso tolo e estranho, por tal revelação.
Malta não pode acreditar nas palavras, só olhava para a menina, não conseguia
entender essa situação tão obscura daquela criança, com as duas mãos segurou o
rosto da menina e retirou a venda dos olhos dela, mesmo assim ela os manteve
cerrado.
- Olhe para mim, olhe... O rosto de
Malta queimava queria ajudar a menina apenas não sabia como. – pense, pense, pense no sol, sinta o
calor, pense na água, sinta a sede, pense nas pessoas, sinta o amor por elas,
pense nas coisas boas da vida, e sinta toda a alegria que elas podem lhe
trazer, pense, pense, sinta, sinta e pense, apenas!
Clarice sentiu um desconforto com tais palavras.
Nada queria admitir por não saber o
que era realmente sentir por si só.
- Eu nada sinto, eu nada penso, não nasci
para essas coisas.
Para o desespero de Malta, Clarice nada parecia ter escutado, o seu rosto
queimava ainda mais, seu desespero aumentava e o seu peito começava a doer.
- Que bobeira menina, que bobeira a sua!
As palavras foram quase que sussurradas, com essa situação toda Malta sentia
uma dor, por não pode ajudar e o todo esse sofrimento já não tinha tamanho,
pareceria bobo, infantil, para algumas pessoas, para o menino não pode fazer
outra coisa, se sentou no chão e se colocou a chorar,
Lágrimas rolaram e o choro estragou o sorriso do menino e o único som que
restou foram as das lágrimas.
Para Clarice que se sentia confusa no
meio de todas as palavras do menino, sofria internamente, o coração já
esquecido queimava, respirou fundo duas vezes, em um misto de curiosidade e coragem
começou a tomar conta dela, o que teria acontecido com o menino? Quem era esse
menino?
- Ainda está ai menino?
A voz chorosa saiu entre pequenos soluços
- Sim, estou
Voltaram a ficar em silencio, algo que era tão novo em Clarice, a curiosidade
dentro dela crescia, sua coragem ia lentamente aumentando, a fera presa dentro
do peito dela gritava pronta para sair, então por um milagre os olhos se abriram, mudaram de tonalidade, a luz era forte
demais, pareciam queimar com um fogo invisível lutou contra a sensação e tentou
encarar todas as cores que pareciam tão infinitas, parecia até mentira para
ela, o mundo não poderia ser tão belo e tão dolorido, não poderia ser, não, não
poderia, só que ele era e é.
Andou alguns passos perdidos, tortos entre suas sandálias de trançados, com seu
vestido sendo tocado delicadamente pelo vento, procurava Malta. Olhou para o
chão viu alguém sentado não hesitou e abraçou o garoto que chorava e levou tal
susto que ele que não conseguia falar, a menina também começara a chorar.
- Eu sinto, eu penso.
Disse ela chorando como uma criança recém-nascida que vem para a sua nova vida,
sentindo todas as dores que essa vida pode causar, com apenas uma certeza, a
certeza que a vida é sempre muito mais do que imaginamos, apenas temos que
aprender a olhar por todos os prismas existentes e nos conformarmos com o
pouco.
No mundo existem muitas Clarices e Maltas
Só não podemos esperar a vida inteira por um
Malta para nos fazer pensar, sentir, enfim existir.
Ariane Castro